Aprendendo a envelhecer bem.

3 de novembro de 2020

Aprendendo a envelhecer bem.

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A média de vida do brasileiro é de 72 anos. O país é um dos que têm ritmo mais acelerado de envelhecimento no mundo, o que pode parecer bom, já que isso significa que reunimos condições para vivermos mais tempo. No entanto, envelhecer bem vai além de viver mais tempo.

Vai além até mesmo de viver mais tempo e ser saudável.

“Envelhecer bem é ter acesso a ambientes culturais, a centros de saúde, é ter oportunidade de permanecer no mercado de trabalho”, explica Wilson Jacob Filho, professor de geriatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do curso de especialização em geriatria do Hospital Sírio-Libanês. Nesses parâmetros, não estamos bem.

É verdade que envelhecemos melhor do que envelhecíamos décadas atrás. Mas podemos aprimorar o envelhecimento ou retardá-lo com algumas medidas, entre elas entendermos que fomos educados a cuidar da doença, não da saúde. Isso precisa mudar ou estaremos com dívidas a quitar lá na frente.

Pergunta – Como o Brasil está envelhecendo?

Wilson Jacob Filho – A partir da década de 1950, a população brasileira, à semelhança da população mundial, começou a ter um aumento progressivo da expectativa de vida.

As pessoas que faleciam na época tinham, em média, 50 anos. Falecia muito mais gente com 5 anos do que hoje. Com a diminuição da mortalidade infantil e juvenil, a curva de expectativa de vida se desviou de 50 para 60 e de 60 para 70. Estamos numa expectativa média acima de 72 anos. Mulheres vivem, em média, cinco a seis anos a mais que os homens. Então, a curva de expectativa de vida média do homem é em torno dos 70. A das mulheres, entre 75 e 76. A ponto de se dizer hoje que uma mulher que faleceu aos 70 anos morreu antes do combinado. Em alguns países, isso aconteceu muito tempo atrás. O Japão atingiu esses números em torno de 1980, 1990.

P – O que mais interfere no envelhecimento?

Jacob – A genética propõe determinadas questões interessantes para o envelhecimento, mas esses fatores são bem menos importantes do que os comportamentais. O que mais interfere no envelhecimento não é a genética. É a atitude. A genética é predominante na fase inicial da vida, mas vai perdendo sua importância para o envelhecimento à medida que o tempo passa.

Os fatores comportamentais são o ambiente e os hábitos e costumes. O ambiente é onde você vive e trabalha. Aquilo que você faz com você – se fuma, se faz exercícios, se é obeso ou estressado – e pode modificar são hábitos e costumes. Moro numa região hostil? O ambiente me agride? Gosto do trabalho que eu faço? Essas questões não são tão modificáveis.

Não basta o indivíduo querer sair da favela para sair da favela. Mas são igualmente fatores comportamentais. Essas inerências de maneira alguma devem ser descartadas. São determinantes da longevidade. Para medir o envelhecimento, obrigatoriamente você depara com essas situações. Você tem de verificar que idoso é esse de 80 anos. É um sueco ou um nordestino? Na Suécia, 80 anos é regra. No Nordeste brasileiro é exceção.

P – Levando em conta as características da população, o acesso à saúde, as questões sociais, o Brasil está envelhecendo bem ou mal?

Jacob – É preciso definir o que é bem e o que é mal. A curva de velocidade com que o Brasil está envelhecendo é uma das mais aceleradas.
Se estamos envelhecendo de maneira bastante acelerada em relação a outros países é porque, provavelmente, estamos juntando condições de envelhecer bem. De um lado é verdade. Por outro, os indivíduos que envelhecem estão ganhando qualidade de vida para poder dizer “estão envelhecendo bem”? Vamos fazer um paralelo: digamos que o país esteja com maior oferta de emprego.

Mas é do tipo que o indivíduo gostaria de ter? Índice de emprego é uma questão, mas o ideal seria que ele trabalhasse naquilo que gosta. O “envelhecer bem” tem o problema de saber o que é isso. Envelhecer bem é ter acesso aos ambientes culturais, a centros de saúde, ter oportunidade de permanecer no mercado de trabalho… Em todos esses parâmetros não estamos bem. Apesar disso, a população está, ano a ano, aumentando a expectativa média de vida. Nós não estamos envelhecendo bem, mas estamos envelhecendo melhor do que envelhecíamos umas décadas atrás.

P – Pegando pelo lado de não estarmos envelhecendo bem, quais são os principais problemas responsáveis por isso?

Jacob – O principal problema é que nós, latinos e brasileiros, temos uma péssima educação para ter saúde.
Talvez esse seja o maior obstáculo para o envelhecimento saudável. Somos educados a cuidar das doenças. Não somos educados a cuidar da saúde. É como na área econômica. O indivíduo precisa aprender a administrar suas dívidas. Mas ele poderia aprender a não ter dívidas. Poderia aprender a ter uma reserva financeira para adquirir o que precisa ou sonha. A doença é a dívida. Ela passa a fazer parte do “patrimônio” e, a partir daí, você a administra. Se for mal administrada, ela levará a pessoa a ter constantemente prejuízos acumulativos.

Pensemos numa “dívida” bem comum: hipertensão. Aos 50 anos, o indivíduo descobre que tem pressão alta. Mas ele diz que não está sentindo nada e vai se  justificando.

Fica com pressão alta dos 50 aos 70, quanto tem uma repercussão cardíaca ou uma renal. É o resultado de 20 anos malcuidados. Aí, ele começa a administrar a doença. Ele percebe que ficou doente. Mas já estava. Pode trocar o exemplo da hipertensão por diabetes, ansiedade, desvio de coluna. Somos muito ruins para cuidar da saúde. Esperamos a condição de ficarmos enfermos para depois atentarmos para a saúde. Mas aí já não é mais saúde. É doença.

P – Quais são as doenças mais prevalentes na população idosa no Brasil?

Jacob – Hipertensão, diabetes, osteoartrose, depressão e demência, que é uma doença, e não é algo próprio da idade. Quando se fala de demência, quase obrigatoriamente estamos falando de Alzheimer.

P – Existe muita expectativa das pessoas em torno de retardar o envelhecimento. O que a ciência propõe nesse sentido?

Jacob – Houve um viés cultural de que o novo é melhor do que o antigo. É o carro novo, a casa nova. O antigo é sinônimo de depreciação, coisa negativa. Há milênios, o ser humano reluta em envelhecer. Ele entende que o envelhecimento é um acúmulo de perdas. De um determinado momento em diante, o ser humano piora: na força, no empenho, na competência, na aparência. Mas na sabedoria, não. Na sabedoria, ele melhora – mas isso não lhe importa.

O que temos à luz da ciência para retardar o envelhecimento? Nada.

Mas pode-se aprimorá-lo. Da minha sala, vejo uma senhora de 75 anos, com chapéu de palha, regando um jardim que temos na faculdade de medicina. Essa senhora, algumas décadas atrás, estaria encarquilhada numa cama. Ela faz parte de um grupo de idosos que trabalham conosco e fazem esse tipo de trabalho comunitário.

Ela não tem um título de “a mulher mais saudável”. Mas faz algo que antigamente as pessoas com 75 anos não faziam. Isso é postergar, melhorar ou desacelerar o envelhecimento.

Como fenômeno que leva o indivíduo da fase plena do desenvolvimento até o momento que antecede sua morte, o envelhecimento é um processo inexorável. Com todos os avanços que tivemos, não muda o fato de o dia suceder a noite e a noite suceder o dia. Tem coisas que não vamos modificar. Não há nenhuma previsão de modificação do ciclo da vida, que não seja aprimorá-lo ou torná-lo mais agradável.

P – Como a gente vence preconceitos?

Jacob – Com educação.
Essa educação vem acontecendo há algumas décadas. Lá pelos anos 1980, fui procurado por um repórter da revista Quatro Rodas. A questão que trazia era “quando um indivíduo deve parar de dirigir seu carro”. Propus uma mudança na pauta. “Vamos conversar sobre até quando um indivíduo  pode continuar dirigindo?”. No primeiro momento, ele achou que era a mesma coisa. Respondi que, na pergunta dele, havia um fechamento, uma proibição. Na minha, uma abertura. Começamos a falar sobre capacidade.
Sou capaz de usar a perna esquerda?

Mas nos carros automáticos não é necessário usar a perna esquerda. Uma vez detectada a existência de uma incapacidade, a gente propõe uma adaptação para que isso seja superado. Nesse sentido, a sociedade, intermediada pelo jornalismo, pela divulgação da informação consistente, foi muito importante para criar outro conceito de envelhecimento.

Antes, o adulto estava inserido na sociedade e, quando idoso, ele era desplugado. Não é mais assim. Isso acontece cada vez menos. O idoso é cada vez menos excluído. Ele continua protagonista da sua vida.

P – Já que vamos envelhecer, que medidas podemos tomar a partir dos 20, dos 30, dos 40 para passarmos dos 70 anos com qualidade de vida e funcionais?

Jacob – Na melhor das hipóteses, nós vamos envelhecer. Esse reconhecimento é um passo importante. É uma grande mudança de cenário.
Antes era “o que devo fazer para não envelhecer?”. Hoje é “o que devo fazer para envelhecer bem?”. As demandas nutricionais são diferentes a cada fase da vida. São diferentes em um adulto jovem e em um idoso.
Como reconheço essas demandas?

É preciso avaliar quanto o indivíduo tem de necessidade. Não há uma regra geral. Existe uma média para saber se o peso está adequado à altura, se a massa muscular predomina sobre a massa gordurosa.

É preciso ver se a pessoa não está carregando na comida as suas necessidades afetivas. Ou se não está esquecendo de comer por causa das suas necessidades profissionais.  Tudo isso são indicativos da parte nutricional. O mesmo raciocínio vai para a atividade física. Culturalmente entendemos que tudo aquilo que contrai o músculo é de segunda categoria. Você não levanta para mudar o canal. Usa controle remoto.

Isso foi um suicídio do ponto de vista muscular. Se estamos condenados a contrair menos músculos, vamos ter atrofia. Ela leva a uma diminuição da densidade do osso. E torna despreparado o aparelho cardiocirculatório.

É uma reação em cadeia. O homem sedentário tem muito menos reserva funcional do que o ativo. Isso em qualquer idade. Mas uma parte das pessoas vai para a academia, para o personal, faz uma caminhada. Não é tão bom quando se faz isso só no final de semana, mas compensa. Tem um terceiro ponto, sobre o qual falei antes: a busca ativa da doença incipiente.

É rastrear um início de hipertensão, diabetes, câncer, depressão. Não necessariamente para tomar remédio. Mas para saber se tem algo, para ter orientação e mudar.

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